Revista Vizoo
Rio de Janeiro, n¼ 36, Portfólio pp 44-51, mai/jun. 2004.
Bricolagem digital no país das maravilhas
por Dudam
Conheça Helena de Barros, aliás Helenbar, designer carioca
que faz sucesso na web se transformando na Alice de Lewis Carroll
V - De onde surgiu a idéia de criar a Helenbar?
HB - "Helenbar" aconteceu meio por acaso. Foi uma brincadeira
que deu certo, nada premeditado. O nome "Helenbar" sempre foi
meu nick de e-mail ("Helen" de Helena, "bar" de Barros).
O figurino (vestido, avental e meias) de Alice, eu tinha feito para uma
festa à fantasia de uns amigos, a "Multiplex in Wonderland"
que aconteceu alguns meses antes. Adoro festas à fantasia. Como
corto e costuro (a maioria das minhas roupas eu mesma faço, me
inspiro bastante nos anos 20 e 60) e sempre tive uma afinidade especial
com o tema, aproveitei a oportunidade da festa e fiz questão de
fazer uma roupa super detalhada, com tecido bordado, 19 botões
e avental, tentando chegar o mais próximo possível do personagem
ideal que existia na minha cabeça – uma mescla do estilo
do fim do século XIX (a história original data de 1865)
com o inconfundível modelo consagrado pelo desenho animado de Walt
Disney. Comecei a ilustrar o "país das maravilhas" meio
que acidentalmente, fazendo a primeira foto para o fotolog, com o figurino
que já estava prontinho no armário. Era apenas uma imagem,
que virou uma grande curtição e aos poucos foi se tornando
o livro inteiro. O cabelo vermelho, que antes estava descolorido, eu acabara
de pintar na véspera, de forma totalmente inconsequente, me valendo
de um frasco do extinto mercúrio cromo que ainda resistia na minha
"farmacia", para completar o visual de uma fantasia inspirada
em Klimt, para a "Paris 1900", outra festa temática.
Desde então, como acabou virando uma característica do personagem,
venho mudando os processos de tintura do cabelo, para que ele aguente
pelo menos até terminar a história.
V - Por que a inspiração em Alice no pais das Maravilhas?
HB - As versões infantis de Alice, sempre me deixaram muito intrigada
quando era criança. Na adolescência, com uns 17 anos, finalmente
li o original de Lewis Carroll, na excelente tradução do
Sebastião Uchoa Leite e fiquei completamente encantada com o humor
insólito, os jogos com palavras e costumes, e a total liberdade
criativa. Desde então, tenho uma certa obsessão pelos mundos
de Alice. Eles representam, para mim, uma mistura do sarcasmo e psicodelismo
adultos com a mais encantadora nostalgia infantil. A narrativa de Carroll
é recheada de imagens deliciosas, sempre as construo na minha cabeça.
Tentar realizá-las graficamente é uma grande satisfação...
Toda garota já sonhou em estar num contos de fadas, esta é
a minha maneira de concretizar este desejo. Antes do trabalho com foto-montagem,
fiz uma série de desenhos com pastel oleoso em 1991 e trabalhei
com este tema também no Workshop Alessi (marca de design italiano)
em 1994.
V - Há quanto tempo voce disponibiliza suas imagens no
seu fotolog?
HB - Postei minha primeira imagem no dia 13 de julho de 2003.
V - Quantas visitações (dia ou mes ou ano) voce
recebe e qual seu endereço na web?
HB - O site está completando 300 mil visitas, não é
um dos campeões de visitação, mas acho um marco bastante
considerável para algo que se divulga sozinho, apenas baseado no
conteúdo. O endereço é
http://www.fotolog.net/helenbar/
V - O que mudou na sua vida com o sucesso de seu personagem?
HB - Além de ficar um bom tempo conectada à internet conhecendo
outros links e repondendo comentários de pessoas de diversos lugares
do mundo, que eu jamais conheceria de outra forma, meu tempo livre agora
é todo voltado para a produção pessoal. Nunca produzi
tanto. O intenso trabalho voltado para uma proposta autoral, também
me fez buscar novos processos e aprimorar muito minha capacidade técnica.
Mas, acima de tudo, compartilhar minha arte com milhares de pessoas foi
uma grande e recompensadora surpresa. Não imaginava que a divulgação
fosse tão simples, ampla e rápida. Foi um super estímulo
e me fez acreditar e investir muito mais no meu trabalho artístico
pessoal. Como também pretendo fazer uma exposição
em grandes formatos e publicar as imagens em livro, acho que a repercussão
e sucesso do personagem me ajudarão na captação de
recursos, divulgação e realização deste projeto.
V - Há alguém te apoiando ou o processo é
individual mesmo?
HB - O processo é bastante individual e solitário mesmo.
Concebo as cenas, fotografo os objetos e a mim mesma, pesquiso imagens
e referencias, faço desenhos vetoriais e toda a manipulação
de imagens, do princípio ao fim.
V - Helenbar já te fez ser convidada para algum evento
em especial?
HB - Eu e a Singoalla (do fotolog /Sinistra) devemos participar de eventos
paralelos do 4ß World Summit - Cúpula mundial de mídia para
crianças e Adolescentes, que acontecerá agora, em abril.
V - Ja conseguiu trabalhos de design grafico e digitalizacao de
imagens por causa da helen?
HB - Não. Minha rotina profissional não se alterou. Tenho
minha própria empresa e trabalho como designer free-lancer desde
que me formei em design gráfico pela ESDI (Escola Superior de Desenho
Industrial) / UERJ, em 1994. Atuo com frequencia na área de design
gráfico para exposições e tenho um trabalho bastante
voltado para projetos e instituições culturais, entre elas
o Museu do Índio, CCBB, Centro Cultural da Light, IPHAN, Fiocruz,
Sesc. Em algumas delas, cheguei a realizar fotomontagens de até
42 metros de largura. Já assinei projetos gráficos para
o Anima Mundi, H. Stern, Anna Bella Geiger, ou para o cinema Nacional,
como "A Ostra e o Vento" e "O viajante", além
de capas de discos e livros. Também trabalho com agências
de publicidade e escritórios de design, fazendo projetos para o
Free, através da Ogilvy, ou manipulação de imagens
para a Natura e Nokia, através da Tatil design, entre outros.
V - Quantos anos voce tem, onde nasceu, onde mora, onde trabalha?
HB - Tenho 31 anos, nasci, moro e trabalho no Rio, em Botafogo.
V - Explica a tecnica utilizada na criação do seu
trabalho.
HB - Como tenho me inspirado numa história riquíssima, a
primeira coisa é ler trechos do livro, pra ver que imagens aparecem
na minha cabeça. Aí me "monto" de Alice, vou para
um canto bem iluminado da sala ou da cozinha e começo a me fotografar
com uma camera digital com timer e tripé. Como não estou
me vendo no momento do click, chego a fazer até 90 fotos para selecionar
os elementos que quero, aí vira um grande frankstein, com um pedaço
de cada foto, as vezes o rosto vem de uma, a perna de outra e o laço
do vestido de outra ainda... Esta é a parte que demora mais com
os retoques, ajustes de cor e recortes. Quando o corpo está montado,
começo a construir o cenário e os outros personagens. Fotografo
muitas plantinhas em jardinzinhos na rua, bichos de amigos e pesquiso
referências em livros e na internet também. Mas o trabalho
todo é feito basicamente usando apenas o Photoshop.
V - Inspirou-se em alguém, fotografo ou designer?
HB - Trabalho com fotomontagens há anos, mas ainda não tinha
me ocorrido que eu mesma poderia ser um personagem, esta influência
veio do fotolog da Sinistra. Este foi um imenso facilitador de todo o
processo pela disponibilidade, paciência, transmissão de
idéias e facilidade de direção da "modelo"
(que sou eu mesma). A tecnologia não deixa de ser uma grande responsável,
pois seria impossível fazer um trabalho de tanta tentativa e erro
sem uma camera digital. Acabo sendo muito influenciada também pelo
trabalho dos meus artistas favoritos, a maioria fotógrafos e pintores.
Entre eles Pierre et Gilles, Mark Ryden, Gilbert and George, David la
Chapelle, Jeff Koons, Joel Peter Witkin... Além da minha pequena
coleção de brinquedos, santinhos e fotos antigas, que garimpo
em feiras de antiguidades.
V - Qual o futuro da helenbar? Ela vai permanecer de Alice ou
pretende se travestir de outros personagens? No caso, quais personagens?
HB - Ainda não sei, devo permanecer de Alice apenas para a conclusão
da história. Não sei se terei disposição para
continuar com o "Através do Espelho". O trabalho me exige
muito, é bastante demorado e cansativo. Venho fazendo algumas brincadeiras
com outros personagens, como Chapeuzinho Vermelho, por exemplo, mas não
sei se darei continuidade de uma forma tão extensa como estou fazendo
com "Alice no País das Maravilhas".
V - Quanto tempo voce gasta para fazer uma imagem? Quanto tempo
do seu dia voce dedica ao seu fotolog?
HB - Já contabilizei uma média de 30 horas de trabalho por
imagem, algumas foram mais rápidas, e outras demoraram muito mais
do que isso. Chequei a trabalhar durante um mes e meio numa imagem (a
do Grifo com a falsa Tartaruga), chegando a ficar 8 horas seguidas por
dia, nos finais de semana e uma média de 3 horas esporádicas,
até de madrugada, durante a semana. É dificil contabilizar
o tempo que dedico ao flog, pois varia muito em função do
meu tempo livre e do fluxo do meu trabalho como designer, se eu estiver
virando noite com algum trabalho, posso ficar mais de uma semana sem nem
saber o que está acontecendo no fotolog e sem trabalhar nas imagens,
mas se estiver num ritmo tranquilo, acesso várias vezes por dia,
ou posso até ficar durante uma hora repondendo comentários,
mas é muito raro, prefiro me dedicar à confecção
das imagens.
V - Como voce se sente sendo uma musa da web?
HB - Descobri que muitas pessoas admiram o meu trabalho, o que é
muito gratificante e melhora muito a auto-estima. Mas para mim, "musa",
é apenas uma questão de manipulação da imagem,
em todos os sentidos.
V - Que sites voce visita com mais frequencia?
HB - Com frequencia, só o Google e fotolog. Curto muito o <http://www.zoozoom.com/que
é uma revista virtual de fotografia fashion.
V - Quais foram os últimos filme, livro e disco que voce
assistiu/leu/ouviu?
HB - Meu gosto musical vai de Burt Bacharach e Henry Mancini à
Ladytron, passando por David Bowie, Pixies, Jesus and Mary Chain, Air...
Gosto de coisas novas como eletro, também. Meus cineastas preferidos
são David Cronemberg, David Linch, Roman Polanski, Neil Jordan
e Tim Burton (aliás o último filme marcante que assisti
foi dele, "Peixe Grande" – maravilhoso). Quanto aos escritores,
adoro Albert Camus, Antonin Artaud, Oscar Wilde, Marquês de Sade
e, é claro, Lewis Carroll. [X]