Revista Web Design
Rio de Janeiro, nº 20, pp 20-25. ago. 2005.
Helenbar: fantasiando imagens na web
por Paola Sales
Helena de Barros tem 32 anos, é designer e professora
da Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI). Na Internet, ela é
"helenbar", uma das fotologgers mais famosas da rede. São
mais de 600.000 internautas que acompanham as aventuras de "Alice
no país das maravilhas", em que a designer mostra seu talento
com tratamento de imagens. Nesta entrevista, Helena nos conta um pouco
de sua história com o fotolog e fala sobre o segredo do sucesso
de seu trabalho.
WD :: Você fez Desenho Industrial na Esdi em 1994. Além
da graduação, quais cursos você fez? Os livros também
foram importantes na sua formação profissional?
Helena :: O interesse por imagens existe desde que me entendo por gente.
Fiz escola de arte desde os 8 anos de idade. Comecei a lidar com o computador
e Photoshop em 94, na época do projeto de graduação
do curso de desenho industrial, com o tema "Design Gráfico
e Novas Tecnologias de Imagem". Um dos cursos extracurriculares mais
significativos que fiz foi o "Dynamic Encounters" do Charles
Watson, na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, sobre arte e ciência
contemporâneas. Quanto aos livros, é claro que livros técnicos
são muito importantes na nossa formação, mas é
a literatura que enriquece a alma. Algumas leituras fundamentais para
mim: "O Estrangeiro" de Albert Camus, "Cartas a Teo"
de Vincent Van Gogh, "O Teatro e seu Duplo" de Antonin Artaud,
"Ciranda dos Libertinos" de Sade, "Grande Sertões
Veredas" de Guimarães Rosa, "O Retrato de Dorian Gray"
e "Contos" de Oscar Wilde... Considero também que cineastas
como George Meliés, Ingemar Bergman, David Cronemberg, David Linch,
Roman Polanski, Neil Jordan, Tim Burton e artistas como Gilbert and George,
Andy Warhol, Pierre et Gilles, Ray Caesar, Mark Ryden, Jeff Koons, Nan
Goldin, Joel Peter Witkin foram influências fortes na minha vida
e no meu trabalho. Gosto de frequntar feiras de antiguidade e acho que
o contato com objetos de outras épocas também enriquece
muito meu dia a dia.
WD :: Como começou o interesse pelo fotolog?
Como foi a escolha desse meio para veicular seu trabalho? Seus convites
de trabalho aumentaram a partir do flog?
Helena :: Foi por acaso. Em junho de 2003, um amigo me recomendou o site.
Criei um login só para ver do que se tratava. Fiquei maravilhada
e surpreendida com as possibilidades de entretenimento e comunicação
que esta comunidade virtual tinha na época. Comecei a utilizar
o serviço por diversão. Sem dúvida a maior inovação
do fotolog (hoje plagiada por diversos sistemas similares), foi a forma
como os usuários estão interligados. As imagens funcionam
como iscas, cada uma com sua singularidade e como cada página é
repleta de outros links de imagem e texto, atualizados em tempo real,
rapidamente se faz uma grande rede de comunicação. Outro
ponto positivo é que é uma comunidade bastante heterogênea.
Alguns minutos de fotolog às vezes equivalem a ir a uma exposição,
encontrar com os amigos ou ler uma revista de atualidades. Minha atuação
profissional não se alterou, continuo com o mesmo perfil de clientes
e projetos. Mas do ponto de vista artístico, conquistei um espaço
incrível de divulgação e estímulo. Minha página
supera 600.000 visitas e meu trabalho ficou conhecido internacionalmente,
sendo inclusive matéria de capa da revista da Lewis Carroll Society
Norte Americana.
WD :: Como você fez para divulgar o seu fotolog?
Helena :: Por incrível que pareça, a única coisa
que fiz foi colocar meu trabalho na rede e navegar no sistema. Quando
comecei, o serviço ainda era recente e reunia uma crescente e fervilhante
comunidade, composta em grande parte por artistas, fotógrafos e
curiosos ávidos por trocar informação. Na segunda
semana como fotologger pulei de 3 para 3.500 visitas e meu "thumbnail"
foi para a página principal como um dos mais vistos do site, o
que então, não significava popularidade, mas curiosidade.
A própria estrutura do sistema de navegação se encarregou
da divulgação de forma espontânea, uma espécie
de boca a boca virtual. Todos nós que estávamos tendo destaque
naquela época, fomos beneficiados. Pegamos carona na divulgação,
não só dentro do site, como em diversos outros meios de
comunicação que abordavam o fenômeno.
WD :: Você reúne os papéís
de fotógrafa, designer e modelo por opção. Como é
esse trabalho de fazer tudo? Você acha que o trabalho seria diferente
se você tivesse uma equipe?
Helena :: Não sou de fato "modelo" nem "fotógrafa",
faço isso apenas no meu trabalho pessoal, onde o auto-retrato é
a matéria-prima. Sou a melhor pessoa para interpretar as minhas
idéias, pois sei exatamente o que estou buscando, expressão,
conceito e resultado gráfico. Não tenho que discutir com
ninguém, é completamente autoral. Acho que seria mais dificil
conseguir o mesmo tipo de resultado com uma equipe. Numa equipe, sempre
existem divergências conceituais ou estéticas, tem que estar
todo mundo muito afinado pra funcionar.
WD :: Na sua opinião, como uma pessoa pode
produzir boas fotos com poucos recursos?
Helena :: Ao contrário de fotos técnicas (de stúdio,
por exemplo), onde recursos são fundamentais, uma boa foto artística
é muito mais uma questão do "olhar", da criatividade,
de cultura e expressão do que de disponibilidade de recursos. De
qualquer forma, se queremos trabalhar seriamente em qualquer área
(não só com fotografia), é muito importante o estudo
e a prática. Além da técnica, aprender quais são
as questões fundamentais de linguagem, entender hierarquias e valores
específicos de cada área, construir referências e
situar o nosso trabalho dentro de um contexto. A formação,
sensibilidade e experiência do profissional é que qualificam
equipamentos caros e sofisticados, ou que fazem bom uso até de
uma "pin hole" (câmera primaria que dispensa o uso de
lentes). Aprendi princípios da fotografia na faculdade, mas meu
trabalho não tem a perícia de uma fotógrafa, e sim
de uma designer usando da foto como matéria prima.
WD :: Qual é o segredo, na sua opinião,
de uma boa foto?
Helena :: Conidero uma boa foto aquela que além de luz, cor, foco,
enquadramento e assunto, consegue transmitir situações e
sensações universais, que representa de forma objetiva ou
subjetiva, imagens que todos nós e ao mesmo tempo cada um guarda
dentro de si.
WD :: Até onde você acha que o photoshop
auxilia ou tira a naturalidade de uma imagem? Pela utilização
de filtros, efeitos, etc.
Helena :: Acho que o limite e adequação do tratamento da
imagem não está no software ou nas suas possibilidades,
mas na intenção e bom senso do operador. O erro acontece
quando tratamos questões e problemas diferentes com as mesmas soluções.
Nunca uso efeitos pré-formatados. O tratamento não é
de fora pra dentro, mas de dentro pra fora. É importante entender
as caracteristicas e necessidades de cada imagem e trabalhar com seus
elementos estruturais, como cor, luminosidade, textura e, principalmente,
pensar na sensação da imagem, a expressão que ela
carrega. A melhor contribuição que podemos trazer para o
tratamento de imagem e para qualquer outra situação é
sempre do ponto de vista humano, quando agregamos valores que trancendem
a técnica e a máquina.
WD :: Ao manipular uma imagem, qual erro devemos
evitar para que ela não
pareça artificial?
Helena :: Trabalhar sem questionar resultados. Durante o processo podemos
perder o rumo ou passar dos limites, nesse caso analisar as etapas anteriores
é a melhor forma de encontrar aonde erramos e também a solução.
Nunca jogo fora o original e as etapas preliminares antes de concluir
o trabalho, são um ótimo referencial de comparação.
WD :: Como você dividiria as etapas do processo
de criação de uma imagem (desde a idéia, preparação
de figurino até a finalização da mesma)? Quanto tempo
demora?
Helena :: As imagens surgem bem definidas na minha cabeça, como
num flash. As vezes elas se formam quando vejo um objeto antigo, vendo
um filme, conversando com alguém, num sonho, observando o trabalho
de outro artista ou lendo um livro... A fase de criação
é bastante subjetiva, mas sempre envolve também alguma pesquisa
de referências. Quando a idéia fica madura, produzo o personagem.
Como me baseio no auto-retrato, sempre começo pela sessão
de fotos. As vezes tenho que produzir roupas e encontrar objetos para
compor a cena. Faço as fotos em casa com camera digital no tripé
e timer e depois no computador, toda a manipulação, retoque
de imagem e construção de cenário. O tempo investido
em cada cena depende muito da complexidade da imagem e da minha disponibilidade.
Uma imagem razoavelmente complexa leva em torno de 30 - 40h de tratamento.
É claro que não de uma vez só, a maioria das vezes,
trabalho nos finais de semana ou à noite.
WD :: Quais máquinas você utiliza pra
trabalhar? O modelo de computador é fundamental? E quais softwares
são mais indicados?
Helena :: Sou uma antítese da corrida informata. Trabalho com um
computador de quase 8 anos, um power mac G3 minitower, que já sofreu
todos os upgrades possíveis. Do original, só resta a placa
mãe. Pesquiso bastante para conseguir incrementá-lo e chego
a trabalhar com imagens de 500Mb a 1.5Gb, diariamente. Sou usária
de mac, mas já fui de PC. Acredito que as plataformas se equivalem,
a não ser pelo hábito de uso e o folclore de status profissional.
Quanto aos softwares, acho os produtos Adobe bastante competentes (Photoshop,
Illustrator, Pagemaker, InDesign, Acrobat). Mas acredito que a restrição
ou potencialidade não está de fato no software, mas na cabeça.
Um artista trabalha bem com qualquer ferramenta. Podemos desenvolver as
mais diferentes formas de expressão em qualquer programa, qualquer
sistema ou até com um lápis e uma folha de papel, não
importa.
WD :: Quais são os principais recursos do
photoshop que você utiliza?
Helena :: Trabalho muito com máscaras, canais alfa e com manipulação
da cor e da luz com levels, hue/saturation e curves.
WD :: Como você vê o crescimento da
imagem digital? Você acha que ainda tem espaço para as pessoas
que trabalham com máquinas tradicionais?
Helena :: São muitas questões em jogo. É claro que
a imagem digital já faz parte do nosso presente e consequentemente
do futuro de forma inevitável. Mas tem muita gente que ainda vive
da fotografia tradicional. A transição de profissionais
consagrados no sistema analógico não é simples e
em algumas situações ainda é mais conveniente trabalhar
com filme. Ainda existem divergencias ao se comparar um cromo de grande
formato e qualidade com as multiplas possibilidades de captura digital,
mas não há como fugir dos excelentes resultados de pós-produção
digital que podemos obter. É um material mais ágil e manipulável
e por isso mesmo, também mais descartável. Assim como o
arte-finalista para o design gráfico, talvez o laboratorista esteja
fadado ao desaparecimento e esta seja mais uma função a
ser incorporada pelo profissional de fotografia da era digital. A tecnologia
nos atropela evoluindo mais rápido do que nossa capacidade de assimilação.
Às vezes é preciso dar alguns passos atrás para aprimorar
as coisas.
WD :: No que diz respeito à linguagem fotográfica,
entre uma foto digital e uma analógica, qual traz os melhores resultados
(pelo viés artístico)?
Helena :: Se consideramos apenas o registro da imagem, os dois métodos
se equivalem, mas tem características de processamento bastante
distintas da qual se pode tirar partido. Um artista escolhe um determinado
material por suas características físicas, circunstanciais,
contexto histórico, possibilidade de interação e
permeabilidade para expressão de uma idéia. Fundamentalmente
o método digital é mais agil e de manipulação
indireta, associada ao computador. O processo analógico tem uma
fisicalidade de matrizes autônoma (o filme, o processo de revelação
química, o negativo, a projeção física da
luz e da cor no papel). A escolha de um ou de outro processo depende na
natureza do trabalho e de quais caracteristicas são mais convenientes
não só por implicações metodológias,
como também por seus valores simbólicos no sistema de construção
e discussão da idéia, até que ela se torne concreta.
Em alguns casos, quando a agilidade e visibilidade da imagem em tempo
real são fundamentais, o digital é indicado e tem também
a vantagem de quando a manipulação for feita necessariamente
no computador, poupar as etapas de revelação/ampliação
do filme e scaneamento, tornando o processo mais prático e barato.
Já o método analógico abre uma série de possibilidades
diferenciadas, como interferência na captura da imagem dentro da
câmera (entre a lente e o filme), a manipulação do
filme no processo químico, interferência gráfica na
película e gelatinas ou a possibilidade de intervenção
no processo de ampliação, mascarando a projeção
da luz no papel, só para citar alguns exemplos. Não há
melhor ou pior resultado, mas o mais adequado para cada fim, dependendo
sempre das restrições, intenção e objetivo.
WD :: Qual a dica você daria pra quem quer
seguir essa carreira?
Helena :: Desita em quanto é tempo! Hahaha... Brincadeiras à
parte, não tenho a menor idéia. O mercado globalizado é
voraz, cruel e circunstancial. As grandes estruturas devoram talentos
individuais. Sucesso financeiro, estabilidade, realização
e qualidade de vida são privilégios de poucos. Minha trajetória
é muito particular e não me considero um exemplo do ponto
de vista mercadológico. Para mim é importante trabalhar
com dedicação e perseverança naquilo que gosta, acreditar
nos seus valores, desenvolver interesses que te distinguam como indivíduo,
ter objetivos que te façam aprimorar e se satisfazer pessoalmente,
pois a realização profissional nem sempre é sinônimo
de sucesso no mercado. [X]