Et Cetera: Revista de literatura & arte
Curitiba, n¼ 4, pp 104-109, set. 2004.
Wonderland: Helena de Barros, uma viagem com Alice
por Jussara Salazar
ETC :: Por que você escolheu Alice de Lewis
Carrol para construir o seu trabalho? Você leu a obra dele?
As versões infantis de Alice, sempre me deixaram muito intrigada
quando era criança. Na adolescência, com uns 17 anos, finalmente
li o original de Lewis Carroll, na excelente tradução do
Sebastião Uchoa Leite e fiquei completamente encantada com o humor
insólito, os jogos com palavras e costumes, e a total liberdade
criativa. Desde então, tenho uma certa obsessão pelos mundos
de Alice. Eles representam, para mim, uma mistura do sarcasmo e psicodelismo
adultos com a mais encantadora nostalgia infantil. A narrativa de Carroll
é recheada de imagens deliciosas, sempre as construo na minha cabeça.
Tentar realizá-las graficamente é uma grande satisfação...
ETC :: Nas imagens você se coloca no lugar
da personagem. Por que? É apenas um trabalho de modelo?
Desde que li o livro pela primeira vez, tive muita vontade de me sentir
no papel da Alice e vivenciar todas aquelas situações. Este
é o motivo de usar a minha própria imagem para o personagem,
é um tipo de projeção e realização
pessoal. Além disso, ela é o único personagem real
e humano da história, o que faz do livro um excelente roteiro para
o trabalho individual de fotomontagem, já que a única pessoa
com que preciso contar sou eu mesma e posso desenvolver todos os outros
personagens digitalmente.
ETC :: Como é o processo de montagem das imagens?
O processo é bastante individual e solitário. Concebo as
cenas, fotografo os objetos e a mim mesma, pesquiso imagens e referências,
faço desenhos vetoriais e a manipulação de imagens.
Como estou me inspirado numa estória riquíssima, a primeira
coisa é ler trechos do livro, pra ver que imagens aparecem na minha
cabeça. Aí me "monto" de Alice, vou para um canto
bem iluminado da minha sala ou da cozinha e me fotografo usando uma camera
digital com timer e tripé. Como não estou me vendo no momento
do click, chego a fazer até 90 fotos para selecionar os elementos
que quero. Faço um grande Frankstein, com um pedaço de cada
foto, as vezes o rosto vem de uma, a perna de outra e o laço do
vestido de outra ainda... esta é a parte que demora mais com os
retoques, ajustes de cor e recortes. Quando o corpo está montado,
começo a construir o cenário e os outros personagens. Fotografo
muitas plantinhas em jardinzinhos na rua, bichos de amigos e pesquiso
referências em livros e na internet também. O trabalho todo
é feito usando apenas o Photoshop. Os originais das minhas fotos
são bastante precários, tenho que superar grandes problemas
técnicos, pois faço todas as fotos sem nenhuma iluminação
especial com uma camera de apenas 4 mega pixels, para chegar num resultado
de impressão quase 4 vezes maior. É praticamente uma pintura
de pixels, onde reconstruo a imagem em todos os detalhes, cores e formas.
ETC :: Na escolha das cenas você interfere,
por exemplo, você cria novas situações a partir do
texto ou segue à risca os capítulos do livro de Alice?
Minha intenção é a de realizar as imagens que o texto
me inspira. Quero dar forma ao texto. Procuro ser o mais fiel à
estória possível, mas às vezes percebo que alguns
detalhes eu imagino um pouco diferente, e aí privilegio a minha
memória afetiva. Por mais fiel que eu tente ser, o resultado de
uma imagem sempre é muito mais específico e fechado em si
mesmo do que o texto, que pode ser recriado na mente de cada um, à
sua maneira. Desta forma, acho que eu estou recontando e ao mesmo tempo
recriando, acrescentando muitas interpretações pessoais.
ETC :: Você já trabalhou com outros
autores da literatura?
Ainda não. Mas gostaria muito de ilustrar os contos de Oscar Wilde.
ETC :: Quem você acha interessante no Brasil hoje, em termos
de arte e cultura?
As minhas referências de arte são mais internacionais como
Pierre et Gilles, Mark Ryden, Jeff Koons, Joel Peter Witkin. Por aqui,
gosto de uma ou outra coisa isolada.
ETC :: Você tem novos projetos?
Coleciono "santinhos" antigos há oito anos e trabalho
a partir destas imagens. É um projeto muito menos pop do que a
Alice, mais introspectivo. [X]